A Comissão de Anistia do Ministério dos Direitos Humanos e
da Cidadania concedeu, nesta quinta-feira (22), a anistia política à
ex-presidente Dilma Rousseff e fez um pedido de desculpas pela perseguição e
tortura realizada pelo Estado brasileiro durante a ditadura militar. Ela também
terá direito a uma reparação econômica de R$ 100 mil em razão de sua demissão
da Fundação de Economia e Estatística (FEE) do Rio Grande do Sul, em 1977.
“Esta comissão, pelos poderes que lhe são conferidos, lhe
declara [Dilma Vana Rousseff] anistiada política brasileira e, em nome do
Estado brasileiro, lhe pede desculpas por todas as atrocidades que lhe causou o
estado ditatorial; causou à senhora, a sua família, aos seus companheiros de
luta e, ao fim e ao cabo, a toda a sociedade brasileira”, disse a
presidente da comissão, a procuradora federal aposentada Ana Maria Oliveira.
“Nós queremos também lhe agradecer pela sua incansável
luta pela democracia brasileira, pela sua incansável luta pelo povo
brasileiro”, acrescentou Ana Maria durante a sessão plenária da comissão,
em Brasília.
A sessão foi transmitida ao vivo pelo canal do ministério no
YouTube. Em razão de compromissos como presidente do Novo Banco de
Desenvolvimento (o banco do Brics), na China, Dilma não pôde comparecer
pessoalmente, mas a reunião contou com a presença de outros presos políticos e
das deputadas federais Maria do Rosário, Jandira Feghali e Érika Kokay.
O pedido de anistia foi enviado por Dilma pela primeira vez
em 2002, quando a Comissão de Anistia foi criada, mas o processo foi suspenso a
pedido dela enquanto ocupava os cargos de ministra de Estado e de presidente da
República. Em 2016, ele voltou à tramitação e, em 2022, Dilma teve o pedido
negado. A ex-presidente, então, entrou com recurso.
A ordem de análise dos pedidos tem os critérios definidos
pela Portaria nº 652/2017, do Ministério da Justiça e Segurança Pública. Na
sessão de hoje, 96 requerimentos estavam em pauta.
“Durante o período da ditadura, a requerente dedicou-se à
defesa da democracia, da igualdade, da educação estudantil e dos direitos
sociais, por meio de intensa atividade política e de oposição aos abusos
cometidos pelo regime militar. Por tais motivos foi perseguida, monitorada por
20 anos, expulsa do curso universitário, demitida, além de ter sido presa e
severamente torturada”, diz o pedido de Dilma, que foi lido pelo relator do
caso na comissão, Rodrigo Lentz.
Tortura
A ex-presidente foi presa em 1970, aos 22 anos, e passou
quase três anos detida, respondendo a diversos inquéritos “repetidos e
infundados” em órgãos militares em São Paulo, no Rio de Janeiro e Minas Gerais,
“sempre pelos mesmos fatos investigados, com a finalidade de prolongar seu
período na prisão”.
Nesta quinta-feira, Lentz também leu diversos depoimentos
que Dilma deu ao longo dos anos sobre os interrogatórios violentos que sofreu.
Ela relata choques elétricos, pau de arara, palmatória, afogamento, nudez,
privação de alimentos, que levaram a hemorragias, perda de dentes, entre
outros.
À Comissão Nacional da Verdade, a ex-presidente afirmou que
a tortura deixa cicatrizes que não são apenas físicas. “Acho que nenhum de nós
consegue explicar a sequela, a gente sempre vai ser diferente”, disse,
explicando que, por ser mais jovem, ela suportou melhor à prisão, fisicamente,
mas o impacto no médio prazo é maior.
“Quando se tem 20 anos o efeito é mais profundo. No
entanto, é mais fácil aguentar no imediato. Fiquei presa há três anos, o
estresse é feroz, inimaginável. Descobri pela primeira vez que estava sozinha,
encarei a morte e a solidão. Lembro-me do medo quando minha pele tremeu. Tem um
lado que marca a gente o resto da vida, as marcas da tortura fazem parte de
mim”, disse.
Reparação econômica
Após deixar a prisão, Dilma mudou-se para o Rio Grande do
Sul e, em 1975, começou a trabalhar na FEE. Ela continuou sendo monitorada pelo
Serviço Nacional de Informações (SNI) até o final de 1988 e perseguida por seu
posicionamento político de críticas e oposição ao governo militar. Em 1977, o
ministro do Exército a época, Silvio Frota, divulgou uma lista do que chamou de
“comunistas infiltrados no governo”, que incluía o nome de Dilma, o que
acarretou na sua demissão.
Após a redemocratização de 1988, a ex-presidente teve a
condição de anistiada política reconhecida e declarada por quatro comissões
estaduais de anistia, no Rio Grande do Sul, em Minas Gerais, no Rio de Janeiro
e em São Paulo, recebendo reparações econômicas simbólicas. No Rio Grande do
Sul, foi atestada a motivação exclusivamente política de sua demissão e, em
1990, ela foi readmitida, com a assinatura de um novo contrato de trabalho.
No pedido à Comissão de Anistia federal, Dilma diz que
deveria ter sido reintegrada, considerando o tempo de serviço e a evolução
profissional que teria alcançado durante o período que ficou afastada pelo ato
de exceção. A diferença salarial dessa evolução seria de cerca de R$ 5 mil.
Em seu relatório, Rodrigo Lentz reconhece o direito à
reparação financeira em prestação única, considerando a extensão temporal de
todos os atos de exceção, de 20 anos de repressão política, desde o pedido de
prisão em 3 de março de 1969 até o final da vigilância em 5 de outubro de 1988.
Dilma vai receber, então, o teto de pagamento previsto na Constituição, de R$
100 mil, bem como a contagem de tempo para a Previdência.
“Para além do terror da tortura e do tratamento
degradante do cárcere, é possível elencar outros atos de exceção por motivação
exclusivamente política que a requerente foi vítima”, disse, orientando o
reconhecimento da anistia política e o pedida de desculpas à ex-presidente.
Anistia política
A Comissão de Anistia é o órgão de Estado responsável por
analisar os pedidos de reconhecimento e reparação econômica a cidadãos
perseguidos politicamente por agentes do Estado ou aos seus familiares, no
período de 18 de setembro de 1946 a 5 de outubro de 1988.
Em entrevista recente à Agência Brasil, a presidente do
colegiado, Ana Maria Oliveira, destacou que o conceito de anistia cabe àqueles
que sofreram violações do Estado, como perseguição, prisão e tortura, em uma
violação à democracia e aos direitos humanos. “Hoje nós pedimos desculpas
àqueles que lutaram pelas liberdades no regime de exceção e que, portanto,
foram perseguidos pelo Estado ditatorial”, disse.
Em 2023, já sob o governo do presidente Luiz Inácio Lula da
Silva, ao nomear a nova equipe da comissão, o Ministério dos Direitos Humanos e
Cidadania destacou que a principal missão do colegiado seria reverter a
interferência política propagada desde 2019, quando teve início o governo de
Jair Bolsonaro. Na ocasião, a pasta indicou que a descaracterização do conceito
de reparação integral levou ao indeferimento de 95% dos casos analisados entre
2019 e 2022, com um total de 4.081 processos negados.